A única noite de amor que eu pude descrever

Noite fria, paredes úmidas, trovões, relâmpagos e solidão. O relógio filho da mãe parecia quebrado, um segundo nele mais parecia uma hora. A vontade de roer as unhas devido ao meu nervosismo era enorme, mas segurei-me para não deixar feias as unhas que tanto demorei no salão para deixá-las vermelhas. Olhei para o relógio e percebi que ele girou um pouco. Fui ao espelho para refazer a maquiagem que não estava desfeita, mas uma mulher prevenida vale por duas. Ouvi o som da chave destrancando a porta. Enfim minha noite estava para começar. Andando lentamente e passando as mãos em meus cabelos na tentativa de ser ainda mais charmosa, fui dar boa noite para aquela que durante todo o dia eu estava ansiosa para ver. Ela sequer sabia da surpresa que lhe esperava. Seu irmão, meu marido, estava de viagem. Eu não podia perder a oportunidade de saber como finalmente era sua irmã na cama. Como finalmente era uma mulher na cama com outra mulher. Seu olhar ao ver que mesmo em casa eu estava enfeitada, de salto branco, vestido curto e maquiada, foi de curiosidade e desejo. Talvez tenha pensado que seu irmão estava para chegar de viagem ou que eu estava prestes a sair. Não fazia ideia de que tudo aquilo era para ela. Não houve nenhuma troca de palavras exceto boa noite de ambas as partes. Sentei-me no sofá, pernas cruzadas, taça de champagne na mão. Minha visão periférica captou-a me olhando dos pés a cabeça enquanto passava as mãos em seu rosto. O seu desejo por mim estava ficando grande tanto quanto o meu. Ela foi tomar banho e eu aguardei ansiosa que ela aparecesse na sala e colocasse seus filmes lésbicos como de costume. Ela nem sabia que muitas vezes escondida eu assistia-os. Porém, neste dia, ela não ficou na sala; mas em seu quarto. Eu tinha planejado chegar lá depois, mas ela, sem querer, adiantou essa parte do plano. Enquanto ela estava sentada distraída em sua cama com seus livros, eu fiquei em pé, na porta, olhando fixamente para ela. Ela nunca falou dez palavras comigo. Apenas perguntou-me se eu estava a procura de algo. Respondi que mais ou menos. Perguntei se eu poderia entrar e meu pedido recebeu uma resposta positiva. Depois de desfilar pelo seu quarto, tocando em suas coisas, conhecendo seu espaço que só ela não sabia que eu já explorava-o por muito tempo, e de minha visão periférica ter captado seus olhos discretamente olhando para mim, sentei-me ao seu lado. Perguntei o motivo pelo qual ela não largava aqueles livros para dar-me um pouco de atenção. Tímida como de costume, ela obedeceu ao meu pedido, quase ordem, fechou os livros, colocou-os no criado mudo, fixou-se sentada em posição conchinha abraçando suas pernas com os braços e ficou a olhar apenas para frente. Eu tive que iniciar uma conversa. Ela não estava a vontade.

- O que está achando de morar aqui conosco?
- Normal.
- E o que é normal para você?
- Não saberia dizer.
- Eu sou normal para você?
- Você me deixa constrangida.
- Porque?
- A forma com que me olha.
- E como eu olho para você?
- Não saberia dizer.
- Olhe para mim e tente.

A timidez a fez olhar para mim e desviar o olhar rapidamente. Eu segurei em seu queixo, virei o seu rosto em minha direção e pedi para que ela olhasse em meus olhos. Ela não teve como não fazer isso, pois, não tirei minha mão do seu queixo. Penetrei o máximo que pude o seu olhar. A penetração foi tão intensa que consegui ver o que ela estava vendo. Ela viu que o meu olhar era de desejo, enquanto o dela era de indecisão. Seus olhos brilharam, foi quando percebi que ela já estava prestes a tomar uma decisão.

- E agora, saberia dizer?
- Você é esposa do meu irmão.
- Não! Eu sou a mulher que está olhando para você. Você está me olhando como mulher do seu irmão, ou como mulher?
- Como mulher, mas que é esposa do meu irmão.
- Faça um esforço. Use a imaginação, e, pelo seu olhar sei que a imaginação está solta! A esposa do seu irmão viajou com ele. Ela só está em casa quando ele está. Quem eu sou? O que diz o meu olhar para você?

Ela me olhou nos olhos por uns segundos e em seguida passou a olhar para a minha boca. Enfim sua indecisão havia sido eliminada. Era a hora de dar inicio ao homicídio da minha vontade, porém, esperei que ela desse o primeiro tiro. Deitei-me em sua cama, ainda olhando em seus olhos, e seus olhos percorreram todo o meu corpo. Ela não moveu-se de imediato, passou quase dois minutos na mesma posição que estava, olhando para o seu lado direito. Depois desses longos e excitantes quase dois minutos, ela pareceu transformar-se em outra pessoa. No fundo eu sempre soube que ela não era tímida como demonstrava ser. Seus olhos e seu sorriso diziam isso. Ela virou-se para mim e começou a passar as mãos em meu corpo levemente e lentamente como se quisesse conhecer as curvas dele ainda cobertas pelo vestido. Ao chegar em minhas coxas ela não fez uso de tanta leveza. Sua língua percorreu seus lábios que por sua vez foram mordidos por seus dentes. Ao vê-la com tanto tesão sem sequer ter me visto despida ou mesmo ter provado meu beijo, fechei os olhos e soltei o primeiro S da serpente indiana (ssssssssssss) Ao abri-los ela já estava em cima de mim, nua a me olhar nos olhos. Segurou tão firmemente em minha cintura que nem percebi que ela estava a levantar o meu vestido para deixar livre meu corpo de qualquer coisa que o deixasse coberto. Ao retirar meu vestido ela não havia percebido que uma calcinha intrusa ainda encontrava-se cobrindo o que eu passei a chamar de céu depois desta noite. Eu comecei a retirá-la, mas ela segurou firme em minhas mãos querendo dizer que ela mesma faria isso. Antes segurou em meus cabelos, o puxou numa mistura de leveza e grosseria e encaixou seu rosto em meu pescoço. Sentiu o cheiro e o gosto dele deixando-me assim arrepiada dos pés a cabeça. Ainda estava só começando, mas eu cheguei ao primeiro orgasmo apenas com o ralar de suas coxas. Ela desceu um pouco mais, sentiu o tamanho dos meus seios com seus lábios e os deixou arrepiados com sua respiração e medição. Tocou rapidamente o bico com sua língua, parou, olhou para mim e percebeu o quanto eu já estava desnorteada. O primeiro beijo aconteceu. Sua língua e a minha pareciam dançar num mesmo ritmo. Sua respiração forte como a minha fazia nossos corpos mexerem-se. O conjunto do beijo mais respiração mais mãos nos seios e outrora na cintura era perfeito! Ah! Se eu soubesse que seria tão bom eu teria pedido para meu esposo trazer logo sua irmã, que morava na cidade grande e veio para o nosso interior justamente pelo fato de seus pais terem descoberto que ela era lésbica. Acharam que aqui ela esqueceria a namorada que ficou em sua cidade e suas amizades consideradas inapropriadas. O melhor ainda estava por vir. Ela parou de beijar-me para retirar o que cobria o meu céu, que por sinal estavam totalmente molhados; céu e cobertor. Como era caminho, retirou meu salto. Alisando-me dos pés para as coxas, abriu minhas pernas e passou a morder levemente minhas coxas e a sentir com sua língua o sabor da minha pele inferior. Malvada, lambia minha coxa, subia, e ao chegar no botão mágico que há em meu céu, passava levemente sua língua e rapidamente ia para a outra coxa. Depois de fazer várias vezes esse passeio entre coxa, botão e coxa, passou a beijar o que não era minha boca. Tudo ao meu redor ficou embaçado, duplicou... eu fiquei indecisa, não sabia se mordia ou lambia meus próprios lábios, se eu falava algo, para que lado deixar a cabeça, já que ela movia-se de um lado para o outro, se eu olhava para ela... eu fiz tudo isso ao mesmo tempo, e obviamente não tinha o controle para decidir o que fazer. Ficou tudo muito fora de mim! Ela parecia estar diante de algo que conhecia perfeitamente. Sabia quais as reações que eu teria com cada movimento que sua língua fazia. No movimento de beijo eu jogava meus braços para trás como se estivesse voando. No movimento em que ela rodeava com a língua o meu botão eu colocava as mãos em minha cabeça para não perder o juízo. No movimento em que ela tocava e deixava de tocar o botão várias vezes fazendo uso apenas da ponta de sua língua eu curvava meu corpo, olhava para ela e minha boca se abria e novamente meus lábios mordia. No movimento final desta etapa onde ela percebeu que meu céu cabia quase todo em sua boca, e ela ainda podia movimentar a sua língua verticalmente para cima e para baixo e horizontalmente de um lado para o outro, eu segurei forte o seu cabelo para segurar-me, pois, o meu corpo pareceu estar tendo um ataque epilético. Eu puxava-a para cima de mim, pois, o que ela continuava a beijar estava sensível demais. Ela parecia estar provando o que do meu céu estava saindo. Ela voltou a beijar – minha boca – para que eu sentisse o meu próprio gosto enquanto suas mãos percorriam o meu corpo que ainda estava adormecido, mas, a dormência logo sumiu quando seus dedos foram sentir o resultado do que fez sua língua. Sua língua passou a rodear os meus seios, ela parecia que estava a decalcá-los com ela. Eu quis beijá-la mais, não é exagero dizer que seu beijo foi o melhor que já provei em toda minha vida. Tinha gosto de primeira vez, e todos os beijos que demos tiveram sempre o mesmo gosto. Senti o céu dela junto ao meu, aquilo foi muito excitante! Ela encaixou-se em mim de um jeito que nos tornou uma só. Uma espécie de tesoura, não sei como explicar. Mas ela conseguiu uma união entre céus e botões e ao mesmo tempo podíamos nos beijar. E nessa tesoura onde céus e botões ficaram colados, ela rebolava, me beijava, decalcava meus seios, apertava minha cintura, puxava meus cabelos... ela conseguia tudo! Chegamos juntas ao orgasmo. Ela em seu primeiro e único, eu em meu... nem lembro quantos. Nossos corpos relaxaram, ela em cima de mim, eu alisando suas costas... ela levantou-se, olhou para mim e falou:

- Se não for pedir muito eu agora preciso dormir. Boa noite, esposa do meu irmão.

Retirei-me sem nada a dizer. Não consegui dormir direito, passei a noite toda lembrando e foi impossível controlar os meus instintos, porém, a porta dela já estava trancada e eu não tive coragem de bater, por isso tive que satisfazer as vontades das minhas recentes lembranças sozinha mesmo. Meu esposo chegaria cedo no outro dia e eu teria que acordar cedo para arrumar umas coisas e desfazer outras. Ao acordar ouvi pessoas despedindo-se. Ao chegar na sala as pessoas já haviam saído, estava apenas meu esposo. Os pais vieram buscá-la.

- O que houve?
- Não sei ao certo. Ela trouxe alguma amiga aqui em casa, ou você ouviu algum boato de que ela estava a andar com alguma menina por aí?
- Não, não ouvi nada! Porque?
- Ela ligou para os nossos pais dizendo que havia tido algo com uma mulher daqui. E sabemos que ela falou a verdade porque ela não mente jamais! Estranho... ela está aqui pouco mais de um mês...
- E ela não voltará mais?
- Não! Já que aqui não conseguimos dar um jeito, nossos pais irão levá-la para outro lugar.
- Para onde?
- Para a casa de uma tia nossa. Ela tem três filhas e soube educá-las muito bem. As nossas primas com certeza irão fazê-la tirar da cabeça essa ideia de lesbianismo.
- Passe-me o endereço depois para que eu possa visitá-la.
- Você sempre comentou que nunca trocou dez palavras com ela. Ficaram amigas durante esses dois dias que estive ausente?
- Digamos que sim. Eu estava quase convencendo-a a deixar de ser lésbica...

Desde então nunca mais pude vê-la, ela recusa minha presença. Nunca pude dizer para ela que a nossa noite de amor foi até hoje a única que eu pude descrever por ter envolvido: carinho, tesão, leveza e grosseria nas horas certas, precisão, enfim... por ter sido com uma mulher que sabia como e onde eu queria. Hoje, sozinha satisafço-me mais, já que não mais posso tê-la, ou melhor, já que ela não mais deseja ter-me. E eu que pensei que iria enlouquecê-la aquela noite... 

MORAL DO CONTO 1
Uma noite de amor com uma mulher existem detalhes, coisas mínimas que ficam guardados para sempre em nossas mentes, e é o que nos faz querer relacionamentos apenas com outras mulheres. Não é mesmice, e mesmo que seja, é sempre tão delicado, tão excitante cada toque, que não sai da memória. Com homem não, você já sabe detalhadamente o que pode acontecer e o que pode ser bom ou ruim, e mulher tem sempre uma caixinha de surpresa, logo, duas mulheres, duas caixinhas.

MORAL DO CONTO 2
Corra das caladas!

Juliana Ladeira

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